Após leitura e debate do texto “A roda global” da Revista Veja¹, da entrevista com o sociólogo e professor Ótavio Ianni² e da conferência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC)³, todos da década de 90, elaboramos este post com os principais argumentos apresentados pelos autores e sua relação com as diferentes perspectivas teóricas para a globalização.
Percebemos no texto da Revista Veja uma tendência ultraglobalista quando o autor faz sua análise sobre os impactos da globalização e a relação com o Estado-nação.
De acordo com o autor da reportagem, o mundo passou por profundas mudanças, e as principais ocorreram no âmbito econômico, que define a globalização da seguinte forma: “É um processo de aceleração capitalista, num ritmo jamais visto, em que o produtor vai comprar matéria-prima em qualquer lugar do mundo onde ela seja melhor e mais barata. Instala a fábrica nos países onde a mão-de-obra fique mais em conta, não importa se no Vietnã ou na Guatemala. Vende a mercadoria para o mundo inteiro.” (REVISTA VEJA, 1996). Ocorre então o que o autor denomina de “Entrelaçamento Econômico”. Outra característica é o “Dinheiro Volátil”, ou seja, o aumento da velocidade das transações financeiras.
O Estado está ficando cada vez mais sem recursos, enquanto as grandes corporações possuem recursos de sobra, e devido a isso, quem faz as grandes decisões econômicas são as corporações, e não mais os Estados. O autor ainda explica que na década de 70 as empresas dependiam dos governos, e hoje em dia ocorre o contrário, são os governos que dependem das empresas, pois através delas conseguem atrair para o Estado riquezas, emprego, desenvolvimento tecnológico, etc.
O autor também aponta para os aspectos negativos da globalização, entre eles o desemprego em escala global, que o autor chama de “desemprego estrutural”, pois com o avanço da tecnologia muitos serviços de mão-de-obra foram substituídos por máquinas, o que acarretou no desemprego. Otavio Ianni também concorda que o crecente desemprego no mundo deve-se as inovações tecnológicas, eletrônicas e robóticas, mas para Ianni o trabalho não está em declinio, o que ocorre é uma “potencialização da atividade produtiva”.
Outro motivo do desemprego, segundo o autor da Revista Veja, é o entrelaçamento econômico, pois o Estado pode buscar mão-de-obra e matéria-prima em outras regiões que sejam mais baratas, e assim gerar desemprego em seu Estado local. O desaparecimento das fronteiras nacionais também é visto como um aspecto negativo da globalização, pois os governos não conseguem mais controlar o capital nacional, e estão perdendo a capacidade de controlar o emprego e a renda da população, pois isso passa a ser tarefa das grandes corporações, que possuem um controle maior da economia.
Quando o texto foi escrito o autor considerou que a globalização ainda estava no inicio e que era muito dificil avaliar todos os aspectos deste fenomeno.
Já na entrevista com o sociologo e professor Otávio Ianni identificamos uma tendência transformacionalista com forte influência ultraglobalista, pois ele afirma que “a globalização é um fato indiscutivel, com complicações não só econômicas, financeiras e tecnológicas, mas também políticas, sociais e culturais" e, ao mesmo tempo define as empresas transnacionais como extremamente poderosas a ponto de influenciar, de acordo com os seus interesses, os governos de diversos países, sejam eles ricos ou emergentes.
Para Ianni o mundo está vivendo um novo ciclo de desenvolvimento, no qual o capitalismo está em escala planetária. De fato, o capitalismo vem de muitos antes, desde as antigas expedições de "descobrimento das américas". Ainda de acordo com Ianni neste sentido "deve-se falar não apenas sobre globalização, mas sobre mundialização, transnacionalização e planetarização".
Nesta entrevista especificamente Ianni faz um apelo aos jovens. Estes agora fazem parte de uma sociedade que é mundial, logo, o jovem é um cidadão do mundo e deve se repolitizar. Ou seja, para que entendam que o mundo está em constante mudança e que é de maior importância estar conectado e atento a estas alterações.
Por fim, na conferência com o ex-presidente FHC, em Joanesburgo - África do Sul, identificamos a perspectiva teórica transformacionalista.
De acordo com o que FHC diz, a globalização não fornece elementos suficientes para situar o Estado no desenvolvimento de cada sociedade, em geral, tende a diminuí-lo, a vê-lo, no limite, como simplesmente cumprindo funções de gestor das finanças públicas, no plano doméstico, e de negociador de tarifas sempre mais baixas, no plano internacional. Em alguns casos, novamente tendo como pano de fundo o êxito dos países asiáticos, admite a "intervenção seletiva" do Estado naqueles setores em que um país poderia desenvolver vantagem comparativa.
Hoje, segundo FHC, o Estado necessário num país como o Brasil será aquele que intervenha menos e melhor, que tenha capacidade de definir prioridades claras e mobilizar os recursos necessários para implementá-las. Na realidade, o papel do Estado é bem mais complexo, além das funções clássicas, como segurança, saúde e educação, tem de atender, no marco da democracia, a demandas crescentes, por mais eqüidade, por mais justiça, por um meio ambiente saudável, pelo respeito aos direitos humanos. A uma cidadania mais exigente deve corresponder um maior refinamento também das ações do Estado. Um Estado coeso e organizado, portanto forte, terá melhores condições de atender às necessidades oriundas da própria globalização. O Estado deve refinar-se, tomar-se mais agudo e mais aberto, porque o espectro de temas com que lida é mais complexo e difícil. Estamos longe da morte do Estado, como alguns profetizaram. Mas, precisamos de um Estado diferente do que, até hoje, existiu.
Como FHC diz em seu discurso, seria um erro grosseiro enxergar a globalização como resultante exclusiva das forças de mercado, e os Estados não podem renunciar o seu papel em nome de uma falsa ideologia do mercado, também porque os governos têm como influenciar a direção destes processos econômicos.
Por fim, paradoxalmente, a globalização leva a que estejamos obrigados a ter uma consciência maior, muito mais aguda e profunda de nossa individualidade, daqueles elementos que nos diferenciam no conjunto das nações. Porque será a partir desta consciência que se desdobrará o leque de nossas possibilidades de atuação internacional, através tanto de alinhamentos variados em diferentes temas da agenda internacional, quanto da construção de parceiras bilaterais que sejam promissoras para aumentar os fluxos de intercâmbio e as iniciativas de cooperação.
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¹ Reportagem da Revista Veja “A roda global” de 3/04/1996. Disponível em: http://veja.abril.com.br/arquivo_veja//capa_03041996.shtml
² Entrevista de Octávio Ianni “Globalização e Repolitização”, disponível em: http://www.globalizacion.org/entrevistas/IanniGlobalizacaoRepolitzacao.htm
³ Conferência do Senhor ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na Universidade de Witwatersrand. Joanesburgo, África do Sul, 27/11/1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/GLOBA6.HTM
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