GLOBALISMO, GLOBALIDADE OU GLOBALIZAÇÃO?

O que globalizou foi o fenômino do Estado-Nação. Agora tem Estado Nacional para todos os lados. No início do século XX, eram 60 países, no máximo. Agora tem 200 Estados. O capital, quanto mais fortalece e expande, mais fica nacionalista.

(José Luis Fiori)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Parte II - Etapa 2 a) b) Globalização e Integração Regional

Resenha do artigo: CARNEIRO, Ricardo. Globalização e Integração Regional. Real Instituto Elcano, Documento de Trabajo nº 43, 2008. Disponível em: http://www.iadb.org/intal/intalcdi/PE/2009/02469.pdf

Segundo Ricardo Carneiro (2008, p.2), “é muito comum se enfatizar a dimensão internacional da integração e menos a regional”. Mas ele apresenta no texto que em princípio as duas dimensões da integração podem se auto- reforçar, ou seja, o adensamento das relações intra-regionais pode reforçar a inserção internacional dos diversos países, ampliando o seu dinamismo.

Por exemplo, as economias regionais que desfrutam desse processo de integração são beneficiadas por uma dupla força dinâmica: a oriunda dos mercados globais (dimensão internacional) e aquelas decorrentes dos mercados intra-regionais (dimensão regional).

O texto, portanto, defende a relevância de não se considerar apenas o internacional, mas também de considerar dimensões domésticas do processo, tais como o momento histórico a partir do qual se realiza a integração e, não menos importante, o formato das políticas econômicas postas em prática durante o período. Sendo assim, torna-se possível constatar as diferenças existentes entra ambas as dimensões de integração, internacional e regional, e então explicar o porquê que em determinados setores – indústria, do ponto de vista estratégico, etc.- uma dimensão se sobressai da outra.

A primeira interpretação que Ricardo Carneiro utiliza para tratar de tais diferenças é a de Obstfeld e Taylor. Tais autores defendem que a globalização contemporânea teria como principal característica a significativa diferença entre os fluxos de capitais brutos e líquidos, com um peso desproporcional dos primeiros ante os segundos. Isto revelaria o porquê da principal motivação, por parte dos países centrais, na diversificação dos portfólios ante a constituição de ativos líquidos no exterior (2008, p.3). Eles também afirmam que o grande influxo durante o padrão-ouro deveu-se à importância de nações com populações escassas e grandes extensões territoriais, receptoras de migração européia e com tradição jurídica anglo-saxã, de forte compromisso com a proteção da propriedade privada. A inexistência ou perda de relevância desses países no mundo contemporâneo explicaria o declínio relativo dos fluxos de capitais em direção à periferia.

Por fim, para Obstfeld e Taylor, o regime cambial predominante na etapa da globalização é o do câmbio flutuante, em contraste com o padrão-ouro, durante o qual vigia o regime de câmbio fixo. Pois, diante das características dos fluxos de capitais nos dois momentos históricos — padrão-ouro e globalização —, uma hipótese mais plausível é a de que o regime cambial reflita a natureza e a composição desses fluxos. Se eles são multidirecionais e visam diversificar portfólios, não há incompatibilidade com o regime de câmbio flutuante (2008, p.4).

Outra visão que Ricardo Carneiro apresenta para avaliar o processo de globalização entre os países centrais, principalmente nos anos 1980, é a do autor Turner, o qual agrega outras características: o predomínio das transações entre desenvolvidos, a proximidade entre transações brutas e líquidas e a maior importância das operações com títulos ante os empréstimos (2008, p.4).

Sobre a dimensão produtiva da globalização, o texto sugere a análise de Dunning, que propõe a idéia de que a principal força motriz é a intensificação do progresso técnico que reduz os ciclos de produto e amplia os custos de P&D, forçando as empresas a uma redução do escopo da produção por meio da especialização no “core” produtivo e à busca de mercados mais amplos (2008, p.4-5).

De acordo com Ricardo Carneiro (2008, p.5), na dimensão produtiva da globalização é possível encontrar outras particularidades. Ela implica uma modificação da divisão internacional do trabalho em moldes distintos daquele observado durante o período de Bretton Woods. Para ele, nesta fase do desenvolvimento capitalista, o padrão de concorrência levava as empresas a buscarem mercados adicionais, se transplantando de maneira integral para os países da periferia. Portanto, nesse caso a restrição para implantação dessas empresas residia no tamanho do mercado, “vis a vis a escala de produção mínima, e no grau de complexidade tecnológica”. A globalização muda o perfil de concorrência e as empresas se deslocam em função do desmembramento de atividades com preservação do “core business” nos países centrais.

Outro ponto importante tratado no texto de Ricardo Carneiro são os padrões de integração global entre Ásia e a América Latina. Nesta discussão das novas modalidades de integração da periferia à economia global, ele utiliza autores como Dooley; Folkert-Landau e Garber, os quais sugerem a existência de duas formas principais, denominadas respectivamente de “trade account” e “capital accoun”t. A primeira diria respeito, principalmente, aos países da Ásia em desenvolvimento e se caracterizaria por privilegiar a articulação via fluxos de comércio e de Ide, e na segunda – capital account- prevaleceria a integração por meio dos fluxos de capitais e Ide de natureza patrimonial.

Portanto, o desempenho desigual do Ide, nas duas regiões periféricas, suscita uma breve reflexão sobre as suas razões. Conforme sugerido por Carneiro (2008, p.15), a causa essencial dessa diferença reside nos distintos padrões de integração da periferia à economia globalizada, com destaque para aquele da Ásia que se dá predominantemente via fluxos de comércio e Ide, e aquele da América Latina que ocorre prioritariamente via fluxos financeiros e com peso mais expressivo do Ide patrimonial.

Sobre os padrões de integração e desempenho o autor utiliza informações da Unctad, ano 2003, dizendo que países periféricos logram o desenvolvimento das forças produtivas por meio da industrialização, entendida esta última como um processo de diversificação setorial e de adensamento das cadeias produtivas. Ele ainda propõe que, se surgirem problemas recorrentes de restrição de divisas, esses países devem ampliar a participação das exportações de manufaturados no PIB em simultâneo com o aumento do emprego industrial no total da ocupação. Segundo Ricardo Carneiro (2008, p. 16), esse foi, e continua sendo, pelo menos para os países periféricos exitosos, o mecanismo por excelência do crescimento sustentado.

“O desenvolvimento suporia a criação de vantagens comparativas dinâmicas em contraposição às estáticas. Os casos de maior êxito seriam aqueles nos quais parte-se das vantagens estáticas por meio da participação nas cadeias globais de valor, inicialmente nos segmentos de maiores vantagens comparativas, intensivos em recursos naturais ou força de trabalho. Ao longo do tempo, a construção de cadeias produtivas mais densas e a implantação de novos setores vão deslocando as vantagens comparativas para áreas de maior complexidade tecnológica. Em simultâneo, o dinamismo inicial muito concentrado nos mercados externos e nas exportações vai se transferindo para os mercados criados pelos encadeamentos da estrutura produtiva doméstica” (2008, p.17).

E por fim, o texto trata dos padrões de integração intra-regional, Ásia e América Latina, cujas diferenças entre as duas principais regiões periféricas são marcantes não só quanto ao padrão de integração na economia global, mas também pelos distintos perfis de integração regional. Utilizando dados da Cepal, ano 2006, Ricardo Carneiro verifica que uma das características proeminentes da Ásia em desenvolvimento é a crescente integração intra-industrial regional que foi realizada ao longo do tempo pelas empresas do exterior, e da região, por meio do Ide. Essa integração se fez com o desmembramento da cadeia produtiva industrial conduzindo a uma intensificação do comércio intra-regional, cujo fundamento é, portanto, o comércio intra-industrial e mesmo intra-empresa. Segundo o autor, esse perfil de integração regional comandado pelo Ide foi muito menos intenso na América Latina (2008, p.20).

Sendo assim, o texto conclui que do ponto de vista estratégico há duas variáveis-chaves que podem conduzir a uma melhora do perfil da integração regional na América do Sul e sem as quais as iniciativas particulares perdem densidade, seriam: a manutenção de taxas de câmbio reais em patamares adequados e com baixa volatilidade, e a ampliação do investimento público em infra-estrutura em cada país. De acordo com Ricardo Carneiro, a primeira é condição necessária para a diferenciação da estrutura industrial em direção a setores mais intensivos em tecnologia por meio da atração de Ide e da ampliação da sua dimensão intra-regional. A segunda, além de permitir a redução de custos e de viabilizar a ampliação do comércio intra-regional permitirá a integração de novas áreas produtivas na economia regional (2008, p.29).

Dessa maneira, a constatação de uma forte divergência das regiões em termos de crescimento econômico indica a sua relação privilegiada com a forma de integração. Todavia, o foco nas formas de integração esclarece algumas questões cruciais sobre o desempenho diferenciado das regiões periféricas no contexto da globalização, mas não dá conta da integralidade das suas determinações. Para tal, seria imprescindível considerar dimensões domésticas do processo, tais como o momento histórico a partir do qual se realiza a integração e, não menos importante, o formato das políticas econômicas postas em prática durante o período. Estas considerações certamente esclareceriam com maior profundidade as diferenças de performance inter e intra-regionais (2008, p.29).

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